sexta-feira, 30 de outubro de 2009

LUCILIA CAVALCANTI: O ANDARILHO


Quinta-feira é dia de Lucilia Cavalcanti. Fiquem com nossa cronista.
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O ANDARILHO

Roupas empoeiradas, surradas e às vezes precisando de conserto e lavagem, alpargatas gastas, cabelos ressecados pelo vento, pelo sol e pela ausência de um bom banho. Já faz muito tempo que não passa por uma grande cidade. A caminhada é longa e o andarilho já está cansado e sonha com o que deixou para trás há muito tempo. Mochila às costas, violão a tira-colo, caminha vagarosamente pela longa estrada poeirenta que corta a paisagem desoladora daqueles campos ressequidos, onde não há nem uma arvore em cuja sombra possa se abrigar dos raios causticantes do sol e descansar um pouco. A próxima cidade ainda está longe. Naquele ermo sem fim, nota um presença de vida. É um cão faminto que segue seus passos, quase sem força, pelo eriçado, patas machucadas e de tão magro é possível contar-lhe as costelas. Pobre cão, que como ele vaga sozinho naquela estrada. Encontro macabro de duas vidas maltratadas. Um, um andarilho solitário, outro, um pobre cão faminto e enxotado. Andam lado a lado, parceiros do mesmo infortúnio. Sede e fome é o que não lhes falta. Andam juntos até à exaustão esperando o milagre de um abrigo qualquer, quando ao longe, muito longe avistam algo como um oásis, na solidão daquela estrada sem fim. Andam mais e mais até chegarem a um casebre semidestruído, de aparência miserável, completamente abandonado, mas que para o andarilho e seu cão assemelha-se a um palácio. Reunindo as forças que lhes restam, aceleraram os passos e caíram exaustos no chão de terra batida daquele abrigo inesperado. Ofegantes ali permanecem por muito tempo, sem se mexerem. Aos poucos o andarilho recobra o ânimo, senta-se, vasculha a mochila e ainda encontra um pão endurecido e uma garrafa com água. Bebe um pouco e na mesma caneca faz beber o seu companheiro. Corta o pão em dois pedaços e ambos comem avidamente. Extenuados, ali adormecem até o raiar da aurora de um novo dia. Levantam-se e ambos espreguiçam-se, cada um ao seu modo e reiniciam a jornada. Um sempre ao lado do outro. O andarilho acaricia a cabecinha do cão, que lhe agradece abanando a cauda. Ambos andam silenciosamente. O cão acompanhando o dono que nunca teve e o andarilho em busca do mundo perfeito, da liberdade tão ansiada, do nirvana, desde que abdicou do lar, do conforto, dos amigos e de seu grande amor. O cão encontrou o dono almejado, mas o andarilho jamais realizou o seu sonho. Quem passa pelas estradas, pelas vilas, pelas cidades desse imenso país, sempre encontra o andarilho e seu inseparável cão e assim será até o fim dos tempos.
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Inté.

5 comentários:

Fábio Bispo disse...

Belo olhar, mas ainda acredito que uma vida andarilha não necessáriamente é menos desenvolvida que uma vida "comum", são escolhas, as vezes não tão almejadas, mas são!!!

curti muit

Laine Linhares disse...

Concordo de certa forma com nosso amigo Fábio. Mas, nesse caso em especial, creio que pelo menos o cão não teve escolha. Pobre dos cães abandonados ou já nascidos frutos de gerações de abandonados.

Parabéns, Lucilia!!!!!!!

E não podemos esquecer... nossa Lucilia amanhã completa mais um ano de vida. Que Deus te abençoe com muitos anos mais, Lucilia, cheia de saúde no corpo e na mente, pra nos maravilhar com sua poesia e experiência.

E pra Lucilia nada? Tudooooo!!!!!!

Rodrigo Nonno disse...

Opa, Fábio e Laine!

Vocês não imaginam o quanto alegram este balcão com seus comentários.

Fico realmente muito satisfeito com as participações.

Querida Laine, sentimos suas falta aqui.

Caro Fábio, seja bem chegado. A Casa é sua também.

Lucilia, excepcionalmente, postarei outro texto seu hoje, para comemorarmos seu aniversário.

Inté

lucilia disse...

Aos amigos Rodrigo, Fábio e Laine, agradeço os comentários a respeito do texto O Andarilho, como as manifestações de carinho pela passagem do meu aniversário. Puxa vida! um ano mais vela. Estou na adolescência da senectude. Não tenho me comunicado com mais frequência pois estou meu atrapalhada com minhas habilidades computadorizadas e minha filha assaz ocupada com as "Comunidades", sem poder me dar uma assistência. Beijos para todos. Lucilia

Rodrigo Nonno disse...

Oi, minha cara Lucilia!

Nem de longe você pode imaginar o pito que vou passar nessa sua filha (risos).

A casa é sua, Lucilia. Aqui você vem e faz o que der na telha.

Grande beijo!